Vulnerabilidade e força21/12/2020 o5x58
Aproxima-se o Natal, um Natal diferente, que será vivido em circunstância singular, pois o mundo, conforme lembra o Papa Francisco, foi colocado de joelhos por um vírus invisível. Mundo contemporâneo que tanto padece com delírios de onipotência – patologia que esgarça o tecido existencial humano – gerando contas amargas a serem pagas. Oportuno lembrar que mesmo diante da gravidade desta pandemia, alguns indivíduos e até segmentos sociais, sem humanismo, minimizam seus efeitos. São incapazes de ajudar a construir novo estilo de vida necessário para livrar a civilização contemporânea deste e de outros males. Mas apesar daqueles que escolhem permanecer no caminho da ignorância e da falta de sensibilidade, a realidade não pode ser desconsiderada: a humanidade experimenta o peso de suas grandes vulnerabilidades. E vulnerabilidade se vence conquistando força.
O desafio é saber qual é a força necessária para vencer fragilidades da civilização contemporânea. Depois, empregá-la adequadamente, pois seu uso equivocado apenas agrava prejuízos. E já não é mais possível conviver com situações prejudiciais. No Brasil, por exemplo, mesmo com sinais de uma recuperação econômica, milhões sofrem com a falta de alimentação básica, milhões estão desempregados e muitos empreendimentos faliram. São urgentes as providências inteligentes e humanísticas, arquiteturas logísticas e de infraestrutura capazes de sustentar grandes mudanças, ajudando a vencer vulnerabilidades sociais, no Brasil e no mundo. Mas é preciso uma força ainda mais especial, com propriedade para garantir a superação de cenários desoladores em todas as sociedades.
Sem essa força, perde-se o respeito à alteridade, prevalecem confusões, não se consegue estabelecer adequadamente prioridades. Convive-se com a falta de disciplina, inviabilizando a civilidade. Na raiz desses equívocos está uma grande vulnerabilidade espiritual, que leva também a fragilidades no campo emocional. Multiplica quadros de depressão, gera incapacidade para lidar com situações de solidão, esvazia a alma do sentido pleno de vida. Ao constatar a generalizada vulnerabilidade espiritual, é possível concluir: o tempo natalino precisa ser vivido de modo diferente, particularmente sem priorizar os habituais modos fugazes e até desgastantes de se celebrar o nascimento de Jesus. Ao invés disso, a celebração do Natal deve ser oportunidade para retomar práticas restauradoras imprescindíveis. É hora de se investir em força espiritual.
Carente de força espiritual a civilização contemporânea não vai conseguir alcançar a necessária virada humanística e ecológica para edificar um mundo melhor. Iniciativas para salvar a economia, engenharias para qualificar a política e estudos científicos cada vez mais avançados, nesta era dos algoritmos, são urgentes. Ainda mais imprescindível para que a humanidade avance é a conquista de força espiritual. Perguntar-se-á como adquiri-la. Não se compra essa força em mercados, feito um produto, nem em farmácias, de modo similar a um remédio. Conquista-se por exercícios próprios, que incluem deixar-se confrontar por interpelações, escutar diferentes clamores – principalmente dos pobres, enfermos e sofredores – saber acolher dúvidas, alcançar respostas a partir do silêncio. Ninguém deve ficar alheio ou fora desse desafio de se fortalecer espiritualmente, pois força espiritual é o remédio para o ciclo novo que precisa ser aberto pela humanidade – acompanhado, urgentemente, pela vacina.
Ciência e espiritualidade são alavancas que elevam a civilização para uma realidade diferente. Por isso mesmo, a fé deve caminhar em parceria com os mais diferentes campos do conhecimento, superando discursos pseudocientíficos. A qualificada espiritualidade cuida da esperança, promovendo-a, e, assim, contribui para livrar a humanidade do medo tenebroso do espectro da morte. Esse medo é perigoso, pois alimenta mais situações de morte. Por isso mesmo, quem não tem o hábito, precisa começar a exercitar-se na vivência da espiritualidade. Os que já se dedicam à fé, devem se aprofundar nessa vivência. Todos assumam a condição de aprendizes. As grandes perguntas que afligem o ser humano não podem ser evitadas. O caminho é buscar respondê-las pela ciência e espiritualidade, iluminando a alma.
Os obstáculos deste tempo de pandemia se tornem incentivo para promover uma mudança civilizatória nesta etapa da história. O tempo do Advento, preparando o Natal, tem uma preciosa indicação de recomeço, ou ponto de partida, na palavra poética do Profeta Isaías, bem no início de seu segundo livro: “Acaso não sabes? Ainda não ouviste falar? O senhor é o Deus eterno. É ele que dá ânimo ao cansado, recupera as forças do enfraquecido. Até os jovens se afadigam e cansam, e mesmo os guerreiros às vezes tropeçam, mas os que esperam no Senhor renovam suas forças, criam asas como águias, correm e não se afadigam, andam, andam e nunca se cansam.”
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Fonte: Arquidiocese de Belo Horizonte
Ilustração: Jornal Estado de Minas