Solenidade de Pentecostes29/05/2020 74th
“Então soprou sobre eles e falou: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20, 22)
Tema central da Liturgia
A Solenidade de Pentecostes nos convida à vida nova no Espírito. Ou seja, a comunidade reunida pelo Espírito é enviada por este mesmo Espírito à missão de continuar o anúncio do Reino de Deus com palavras e jeito de ser. Este novo jeito de ser no mundo é garantido pelo Espírito Santo que confirma cada membro da comunidade com dons próprios para a continuidade desta missão a fim de unidos, vencermos os medos e falta de fé. “Vinde, Espírito de Deus, e enchei os corações dos fiéis com vossos dons”!

1ª Leitura: At 2, 1-11
A fim de melhor nos situarmos neste texto bíblico, tomemos a introdução aos Atos do Apóstolos da Bíblia da CNBB:
Os Atos dos Apóstolos (At) são a continuação do evangelho de Lucas, constituindo a segunda parte de sua obra. Narram a fase da História da Salvação que se seguiu à ressurreição e elevação de Jesus. Como o evangelho de Lucas, também este escrito não é historiografia no sentido científico moderno; não tem a pretensão de fazer uma reconstituição científica dos fatos, mas, baseando-se em fontes fidedignas, procura evocar o significado daquilo que aconteceu e, também, prestar homenagem aos primeiros evangelizadores e fundadores das Igrejas cristãs – especialmente Pedro, primeiro porta-voz da Igreja-mãe de Jerusalém, e Paulo, evangelizador dos gentios. Na parte que narra as viagens marítimas de Paulo, o autor se apresenta como companheiro de viagem, falando na forma “nós”.
O livro possui vinte e oito (28) capítulos e, do ponto de vista do conteúdo, pode ser dividido em três partes: I) Atos de Pedro: 1 – 15; II) Elo entre a primeira e a terceira parte: 13 – 15; III) Atos de Paulo: 13 – 28.
Nossa perícope de hoje traz a narração lucana da manifestação do Espírito em Pentecostes. O Espírito prometido é derramado sobre os fiéis, sinal do tempo final, para que deem testemunho da ressurreição e do senhorio do Jesus. Sua mensagem é ouvida pelos romeiros das mais diversas línguas e nações.
Salmo 103 (104), 1ab.24ac.29bc-30.31.34 (R/. cf. 30)
O salmo de hoje é um Hino de Louvor. Conforme Hermann Gunkel, “Hinos eram cantados como parte da adoração em diversas ocasiões, inclusive festivais sagrados, assim como em outros momentos, talvez por um coral ou um cantor individual”. O Salmo 103 (104) descreve a glória de Deus que se revela nas criaturas, nos dons da natureza, na luz e nas trevas. Que Deus se alegre com tudo quanto criou!
2ª Leitura: 1Cor 12, 3b-7.12-13
Tomemos a introdução da Bíblia da CNBB a fim de melhor nos inteirarmos sobre este livro.
A Primeira Carta aos Coríntios (1Cor) faz parte de uma correspondência intensa entre Paulo e a igreja de Corinto. Segundo At 18, 1-18, Paulo fundou durante a 2ª viagem missionária, em 50/51 dC, a comunidade de Corinto, mantendo com ela o contato por escrito, durante a 3ª viagem. Da parte de Paulo temos conhecimento, através das cartas conservadas (1 e 2Cor), de, no mínimo, cinco cartas:
- a carta “pré-canônica” mencionada em 1Cor 5, 9-13 (talvez o fragmento que atualmente se encontra em 2Cor 6, 14 – 7, 1);
- 1Cor, reação a notícias recebidas por meio de Cloé (1Cor 1, 11) juntamente com uma carta (7, 1), quando Paulo estava em Éfeso (entre 53/54 e 56/57);
- a “carta em lágrimas” mencionada em 2Cor 2, 3.4.9; 7, 8.12, escrita para resolver um desentendimento entre ele e a comunidade;
- 2Cor, para refutar as calúnias de que Paulo era vítima;
- a(s) carta(s) de solidariedade com a coleta para os pobres de Jerusalém, atualmente incluída(s) em 2Cor 8-9.
1Cor é uma carta circunstancial, um diálogo a distância, a ponto de reconhecermos nas respostas de Paulo as questões e opiniões dos destinatários. A finalidade é, em primeiro lugar, pôr fim aos partidarismos (sobretudo em torno dele e de Apolo), remediar as práticas inissíveis na jovem comunidade da cidade dissoluta e consolidar a base da vida cristã: a fé na ressurreição.
A carta é relativamente longa, possui dezesseis (16) capítulos, contendo três (03) partes muito evidentes: I) reação as notícias de Cloé: 1Cor 1, 10 – 6; II) resposta à carta recebida: 1Cor 7 – 14; e III) a ressurreição: 1Cor 15. Sendo que 1Cor 1, 1-9 forma a introdução e 1Cor 16 a conclusão.
A perícope de hoje faz parte da resposta à carta recebida e, especificamente, trata dos dons na comunidade. Toda manifestação de talento comunitário não deve ser encarada como algo individual ou inato, mas, dom do Espírito Santo legado ao serviço comum (cf. v. 3b-7). Esta diversidade de dons e talentos expressa a realidade da comunidade: um só corpo com vários membros que permanecem unidos e coesos por ação da comunhão no mesmo Espírito, elo de amor e serviço ao Bom Deus que age igualmente em todos (cf. v. 12-13).

Evangelho: Jo 20, 19-23
A perícope de hoje foi também utilizada para a liturgia do segundo Domingo da Páscoa. Assim, aqui repetimos a reflexão.
Na primeira parte (vers. 19-23), descreve-se uma "aparição" de Jesus aos discípulos. Depois de sugerir a situação de insegurança e de fragilidade em que a comunidade estava (o "anoitecer", as "portas fechadas", o "medo"), o autor deste texto apresenta Jesus "no centro" da comunidade (vers. 19b). Ao aparecer "no meio deles", Jesus assume-se como ponto de referência, fator de unidade, videira à volta da qual se enxertam os ramos. A comunidade está reunida à volta d'Ele, pois Ele é o centro onde todos vão beber essa vida que lhes permite vencer o "medo" e a hostilidade do mundo.
A esta comunidade fechada, com medo, mergulhada nas trevas de um mundo hostil, Jesus transmite duplamente a paz (vers. 19 e 21: é o "shalom" hebraico, no sentido de harmonia, serenidade, tranquilidade, confiança, vida plena). Assegura-se, assim, aos discípulos que Jesus venceu aquilo que os assustava (a morte, a opressão, a hostilidade do mundo); e que, doravante, os discípulos não têm qualquer razão para ter medo.
Depois (vers. 20a), Jesus revela a sua "identidade": nas mãos e no lado tresado, estão os sinais do seu amor e da sua entrega. É nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses "sinais" indica a permanência do amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama e do qual brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.
Em seguida (vers. 22), Jesus "soprou" sobre os discípulos reunidos à sua volta. O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto grego de Gn 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida de Deus). Com o "sopro" de Gn 2,7, o homem tornou-se um ser vivente; com este "sopro", Jesus transmite aos discípulos a vida nova que fará deles homens novos. Agora, os discípulos possuem o Espírito, a vida de Deus, para poderem - como Jesus - dar-se generosamente aos outros. É este Espírito que constitui e anima a comunidade de Jesus.
Autor: Pe. Bruno Alves, C.Ss.R.