Ser a Palavra29/11/2013 4p5l4c
Imagino que você deve ter uma Bíblia em sua casa. Pode ser que ela esteja exposta na estante da sala, como um belo símbolo da forte religiosidade que permeia a família que aí mora. Ou guardada na gaveta do criado, ao lado da cama, e retirada a cada noite para a leitura de um salmo, como forma de entrega do dia nas mãos misericordiosas do Senhor. Talvez esteja sobre sua mesa de estudos e trabalhos, toda riscada, pois você a usa sempre em encontros, retiros, grupos de oração e círculos bíblicos, estando em contínuo contato com a Palavra de Deus. Quem sabe não a use tanto, mas sempre carrega um exemplar de bolso do Novo Testamento dentro da mochila ou da bolsa, suplicando de Deus sua proteção para a perigosa aventura quotidiana.
Há múltiplas formas de você se relacionar com as Sagradas Escrituras. Belas, por sinal. Mas para nós, seguidores de Jesus Cristo, há uma forma em especial que não deve jamais ser desprezada. Ao contrário, deve receber destaque em meio a outras tantas. E quem nos ensina esse modo privilegiado de nos debruçar sobre os Textos Sagrados é François Xavier Nguyen Van Thuan. Cardeal vietnamita de saudosa memória, Van Thuan foi convidado para pregar retiro à Cúria Romana, no ano 2000. Em uma de suas exposições, propõe o seguinte método de relacionamento com a Palavra de Deus, o qual, aqui, didaticamente, representá-lo-emos com três verbos: OUVIR – VIVENCIAR – COMUNICAR. Analisemos cada um destes momentos, a partir da reflexão proposta por Van Thuan.
Na ocasião da Transfiguração de Jesus no Monte Tabor, os discípulos ouvem uma voz que diz: “Este é o meu Filho, o Eleito; ouvi-o” (Lc 9,35). As primeiras pessoas que ouviram as palavras de Jesus, logo perceberam que não eram com as palavras dos homens, “porque ele as ensinava com autoridade e não como os seus escribas” (Mt 7,29). As palavras de Jesus não são como aquelas dos políticos, filósofos e poetas. Elas possuem profundidade, são “palavras de vida”, que comunicam vida, a plenitude da vida. É de uma beleza ímpar a confissão de Pedro após o discurso do pão da vida. Assim que Jesus terminou de falar, muitos dos discípulos abandonaram-No. Então Ele pergunta aos doze: “Não quereis também vós partir?” E Simão Pedro responde-lhe: “Senhor, a quem iremos? Tens palavras de vida eterna” (Jo 6,67-68). Somente a Palavra de Deus possui estatuto de eternidade. Ouçamo-la!
Para que a Palavra de Deus gere vida, é preciso de nossa parte uma atitude de acolhimento e de vivência. “Escutai-o”, é o mandato do Pai. Escuta essa que não depende tanto dos ouvidos, mas, sobretudo, do coração. Ensina-nos o próprio Cristo na parábola do semeador que a semente produz seus frutos somente quando cai em terreno fértil. A Palavra produz seus efeitos quando cai em um “coração bom e perfeito” (cf. Lc 8,15). Entretanto, não basta rezar, meditar, acolher a Palavra. Escutá-la autenticamente significa obedecer-lhe, fazer aquilo que ela nos pede. É necessário deixarmo-nos trabalhar pela Palavra, até que ela impregne todo o nosso ser. Como diz São Tiago em sua carta, “tornai-vos praticantes da Palavra e não simples ouvintes” (Tg 1,22). Ao penetrar em nossa existência, a Palavra de Deus contesta nosso modo de pensar e agir faz-nos incidir com criatividade na história, dá-nos alegria, liberdade, coragem, renova nossa confiança no Pai, possibilita-nos um verdadeiro sentimento de filiação e uma atitude concreta, contínua e operante de serviço aos irmãos, revela-nos o sentido mais profundo de nossa existência e nos renova a esperança. Em suma, aquele que vive a Palavra, como nos diz São Paulo, chega a ter “o pensamento do Senhor” (cf. 1Cor 2,16). E o resultado disso é que não somos nós mais que vivemos, mas Cristo em nós. É o Verbo que se encarna em nós e nos transforma Nele. Vivamos a Palavra!
Ainda falta o terceiro momento. Não basta escutar e acolher e vivenciar a Palavra. Devemos também partilhá-la. A Palavra é a semente que foi semeada em nossa vida. Porém o bom terreno não devolve a semente, mas seus frutos. Neste sentido, não devemos partilhar apenas nossas reflexões sobre a Palavra de Deus, mas, principalmente seus efeitos em nossa caminhada, aquilo que ela realizou no terreno de nossa vida. Já dizia a sabedoria popular: “a palavra convence, o testemunho arrasta”. O testemunho tem mais credibilidade que as palavras. E esta é a essência do anúncio cristão, a saber, comunicar vida (a Vida) através da experiência vivida. Somente assim o Reino de Deus progride e a comunhão dilata-se. Comuniquemos a Palavra feita vida em nossa vida!
Estamos iniciando um novo ano litúrgico. Da mesma forma como fazemos planos e traçamos metas a cada início de ano civil, deixo a você a seguinte proposta: que tal privilegiar esse modo de relacionamento com as Sagradas Escrituras? Seja você e sua família, alguém que escuta, vive e comunica a Palavra de Deus!