Alegria: Pão e remédio12/04/2021 5qg5l
Ilustração: jornal Estado de Minas
O sol radiante brilha no horizonte de um mundo encoberto pelas sombras de uma grande tristeza. No início da tradição cristã, o sol, artisticamente retratado nos túmulos ou nas igrejas primitivas, se tornara o símbolo de Cristo Ressuscitado, o redentor vencedor da morte com a vida, do ódio com o amor. Este sol radiante – Cristo Ressuscitado – brilha luminoso no horizonte cristão deste tempo pascal. Um percurso litúrgico de cinquenta dias para oferecer o exercício da alegria aos que creem. As consequências humanitárias e existenciais do momento atual, com tantas injunções e pesadas consequências, particularmente aquelas que levam ao luto, ao agravamento de crises econômicas e políticas, estão pedindo uma ação terapêutica. Um tratamento para colocar, como canta o profeta Isaías, a alegria no lugar do luto, e no lugar das cinzas, o bálsamo da consolação. Não se busca algo paliativo, alívio ageiro, mas um revigoramento das forças, pois os pés estão cansados, os braços, enfraquecidos. E os corações padecem com sofrimentos, enfermidades e obscuridades. A humanidade precisa do pão e do remédio da alegria.
Muitas providências precisam ser efetivadas – mais celeridade no processo de vacinação, esperança para se vencer a pandemia, adequadas políticas públicas capazes de garantir a seguridade alimentar, pois é espantoso o número dos que hoje sofrem com a fome. São necessárias eficazes estratégias de organização socioeconômica e política que levem a um desenvolvimento integral, na contramão da atual lógica perversa do mercado. As urgências são muitas, demandam inteligência e olhar comivo para provocar uma grande virada civilizatória. A gestação de um novo tempo depende também da dedicação para se procurar experimentar a genuína alegria, com o seu tônus vivificante. Obviamente, não pode ser uma alegria que combata a tristeza por meio da fuga da realidade. Não se trata ainda de simples sensação que é fruto da mesquinhez, do egoísmo e da indiferença em relação aos que clamam por socorro – os vulneráveis da Terra. E jamais deve ser uma alegria alienante, alcançada por meio do conforto que produz cegueira, medo de lutar ou pouca disponibilidade para produzir respostas proféticas – capazes de efetivar novas lógicas com sabor do Evangelho de Jesus Cristo.
A alegria indispensável existe para inundar e fecundar o coração humano, de todos os que se deixam iluminar por este Sol cuja luz é eternamente incandescente, aquece corações para a compaixão, brilha na inteligência orientada para o bem, emoldurada pelo princípio inegociável de que a vida está em primeiro lugar. Essa alegria é oferecida a partir do serviço essencial da Igreja de Cristo, dedicado à humanidade há mais de dois mil anos, como legislação de amor. Por sua origem divina, ultraa em tradição, reconhecimento e operação, qualquer definição de tribunais humanos. A alegria oferecida vai além dos limites próprios de decretos. Gera discernimento, permite reconhecer sempre que a vida está em primeiro lugar, o que leva equilíbrio a procedimentos e gestos, escolhas e ações. Sem essa sabedoria que nasce da alegria autêntica, a humanidade fica sem rumo. Produz uma nuvem escura de tristeza que prejudica a lucidez e o exercício da solidariedade.
A alegria necessária nasce sempre e unicamente do encontro com a pessoa de Cristo, crucificado e ressuscitado. Não se origina das posses acumuladas ou do sabor efêmero de muitas coisas. Vem do encontro com Aquele que muda toda pessoa. Quem busca essa proximidade deixa-se iluminar pela presença, pela palavra e pelo mistério do amor de Jesus. Importante recordar o apóstolo Paulo que, ao viver esse encontro, desceu do pedestal de sua soberba, redimensionou a sua importância, mesmo possuindo diferentes cidadanias, e fecundou a sua compreensão de modo construtivo. Transformado pelo encontro com Jesus, o apóstolo Paulo reconfigurou culturas e povos com a força do seu testemunho, mesmo em meio a perseguições e martírio.
Paulo sempre compreendeu a fé cristã como experiência da alegria. Dos 326 verbetes que designam alegria no Novo Testamento, 131 referências estão nas suas dez cartas. A alegria por estar em Cristo capacita para ar a luta da vida, com suas adversidades em diferentes circunstâncias. É fruto do Espírito que produz alegre liberdade, com propriedade para enfrentar o sofrimento. Alimento da esperança – pão que sustenta o peregrino. A alegria pascal devolve serenidade aos corações, perspicácia à mente humana na busca de soluções humanitárias, disposição para o exercício da solidariedade, acalma espíritos belicosos, fecunda a cidadania e garante a sabedoria que vem do amor.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)