4º Domingo do Advento – Ano B18/12/2020 313y6k
“Aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus” (Lc 1, 35b)
Tema central da Liturgia da Palavra
O centro da liturgia de hoje é o Messias enviado por Deus, Jesus, filho da Virgem Maria. A Primeira Leitura e o Salmo nos recordam a promessa divina feita a Davi que sua descendência não teria fim. O Evangelho narra o cumprimento desta promessa: Deus se faz homem para salvar a todos! Tenhamos o espírito agradecido como o de Paulo na Segunda Leitura e glorifiquemos ao Bom Deus por ter revelado este mistério salvífico a nós e nos ter conduzido pela fé à salvação!

1ª Leitura: 2Sm 7, 1-5.8b-12.14a.16
O contexto da narrativa da Primeira Leitura de hoje dá-se por volta de fins do século XI a.C. e inícios do século X a.C., momento em que Davi ou a governar os reinos de Israel (norte) e Judá (sul) numa forma unificada politicamente. Para fortalecer a política do Reino, Davi transfere a capital para a recém conquistada cidade de Jerusalém, donde estabelece o governo de todo o território unificado. Após a estabilidade política, Davi volta-se para a questão religiosa e intenta a construção de templo/santuário para abrigar a Arca da Aliança e, ao mesmo tempo, ar a ser a capital política e religiosa de todo o povo.
De forma específica e direta nossa perícope de hoje remonta ao desejo do rei de construir em Jerusalém um lugar sagrado adequado e digno que abrigasse a Arca da Aliança (cf. v. 1-2). O profeta Natã assente a este desejo real (cf. v. 3), porém, à noite a palavra do Senhor lhe foi dirigida a fim de ser transmitida ao rei (cf. v. 4). A Profecia de Natã amplia e aprofunda em muito o bom desejo do rei Davi. Enquanto o rei fala em construir um templo/santuário (= casa) para o Senhor, Deus lhe interroga se ele teria mesmo condições de construir uma casa para Ele (cf. v. 5). Mostrando a impossibilidade de Davi construir uma casa para Deus, a profecia tece todo um apanhado da jornada davidida desde sua eleição enquanto pastor até suas conquistas e paz conquistada pelas vitórias, demonstrando que tudo isto só fora possível porque o Senhor é quem agiu em seu favor (cf. v. 8b-11a). Daí, aprovando as boas intenções de seu servo Davi, é o Senhor que lhe promete fará uma casa para ele (cf. v. 11b). Todavia, agora casa adquire novo significado, ou seja, o Senhor promete ao rei que, quando este terminar seus dias, lhe suscitará uma dinastia que consolidará o seu reinado (cf. v. 12). A relação desta casa/deste descendente com Deus será santa: ele será como um filho e Deus será como um pai (cf. v. 14a), de modo que garantirá a estabilidade do reino e que este jamais terá fim (cf. v. 16).
Salmo 88 (89) 2-5.27.29 (R/. 2a)
O salmo 88/89 é do gênero real. Conforme Herman Gunkel: “Estes salmos eram executados em algum tipo de festividade da corte, onde eram executados na presença do rei e seus dignitários. Ocasiões específicas podem festivais de entronização ou ascensão, aniversários de casamento, vitória sobre um inimigo, cura de uma doença, entre outros”. De forma concreta, este é um hino à bondade, à majestade e à fidelidade de Deus, que prometeu a Davi uma descendência eterna; mas a dinastia de Davi está arruinada e o povo de Deus padece humilhações. Que Deus se lembre de seus escolhidos!
2ª Leitura: Rm 16, 25-27
Temos aqui a despedida de Paulo à comunidade romana. O encerramento da Carta aos Romanos forma uma doxologia, ou seja, uma palavra de elogio, no caso de escritos sagrados, são glorificações e ações de graças a Deus.
Nosso texto em questão é uma madura síntese dos ensinamentos do Apóstolo. Ele chama a comunidade a louvar a Deus por conta de seu projeto de salvação, chamado aqui de mistério, que estava escondido desde sempre, mas, nos últimos tempos foi revelado pela pregação de Jesus Cristo e à fidelidade do Apóstolo ao Evangelho (cf. v. 25). O que estava oculto agora foi revelado e levado ao conhecimento de todos por determinação divina contida nas Escrituras, a fim de que todos os povos conheçam e se juntem à fé (cf. v. 26). Pelo sábio plano divino da salvação, o Apóstolo glorifica, por Jesus Cristo, o único Deus (cf. v. 27).

Evangelho: Lc 1, 26-38
A narrativa da anunciação é enquadrada num detalhado pano de fundo, fundamental para o entendimento da narrativa evangélica de Lucas. Aqui, é importante termos em mente o lugar e as personagens apresentadas para, posteriormente, nos atermos ao conteúdo da mensagem.
Nazaré: o cenário da anunciação é a pequena cidade de Nazaré, situada na região da Galileia (cf. v. 26b). Este não é um local aleatório ou desprovido de significado para a mensagem evangélica. A região da Galileia era tida como um local de impureza e sincretismo religioso por parte dos judeus mais tradicionais. Não por acaso, a região era chamada de Galileia dos pagãos ou gentios, portanto, uma região desprezada e marginalizada. Além desta realidade de denúncia, a vinda do Messias justamente da Galileia e não da capital Jerusalém é também o cumprimento de Is 8, 23.
Maria e José: a situação de Maria e José é bem descrita na perícope evangélica, ou seja, ambos estavam já prometidos em casamento (cf. v. 27). Pelo estatuto matrimonial judaico da época, Maria e José se enquadravam na situação dos “esponsais”, isto é, embora ainda não coabitassem como marido e mulher, já eram prometidos e isto significava que já possuíam um vínculo mais forte que, após um ano completo de observância, em casas separadas e sem os contatos próprios da vida a dois, deveriam respeitar como se já estivessem casados de fato. Esta situação adquire forte carga dramática quando Maria pergunta como poderia dar à luz se ainda não conhecia homem, demonstrando a situação que vivia e que ambos respeitavam as tradições.
Gabriel: o v. 26a apresenta a forma como Deus se dirige à virgem Maria: através de seu anjo Gabriel. Este anjo já fazia parte da tradição religiosa do povo judeu como aquele que é enviado para explicar visões a Daniel (cf. Dn 8, 16; 9, 21). Portanto, aqui o mensageiro de Deus não é aquele que serve de instrumento divino para dar uma notícia, mas, também aquele que é utilizado como facilitador para a compreensão desta mensagem a fim de que Maria a acolha com tranquilidade e boa consciência.
A vocação de Maria: o diálogo é iniciado solenemente pelo anjo Gabriel (cf. v. 28) que se dirige a Maria com a expressão Ave. Esta não é uma simples solenidade formal, mas, toca fundo no coração judaico das promessas divinas quanto ao soerguimento de Israel (cf. 2Rs 19, 21-28; Is 1, 8; 12, 6; Jr 4, 31; Sf 3, 14-17), donde Maria toma a figura da “Filha de Sião”, frágil, mas, que receberá a salvação de Deus e levará Israel a cumprir sua vocação-missão de ser luz para as nações. Maria é eleita por Deus, por desejo e opção divina, pois, ela é “cheia de graça” por conta de sua predileção por Deus. A revelação da vocação de Maria é chancelada pela expressão “o Senhor está contigo!”, referida em muitos textos vocacionais veterotestamentários (cf. Ex 3, 12; Jz 6, 12; Jr 1, 8.19), deixando clara a eleição/chamado divino para a realização de algo. Neste ponto, o texto é claríssimo: a vocação de Maria é ser a mãe de Deus feito homem (cf. v. 30-33). A resposta inicial de Maria não é a recusa, mas, a reação natural de alguém que não se sente digna da escolha de Deus (cf. v. 29). Todavia, o mensageiro a explica tudo e lhe garante a presença de Deus na execução de sua missão (cf. v. 30). Diante disso, Maria se dispõe e quer logo saber como se dará tudo isso (cf. v. 34), ao que o anjo lhe narra que o Espírito Santo descerá sobre ela (cf. v. 35), assim, mesmo na fragilidade de Maria, ela será guiada e protegida pela “sombra” do Espírito. Por fim, Maria aceita com humildade e dignidade sua vocação-missão: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (v. 38a), demonstrando que aceita a eleição e cumprirá com esmero o chamado honroso que recebera, servindo a Deus e cumprindo sua santa vontade.
O conteúdo da mensagem: embora o relato bíblico traga outros detalhes importantes como, por exemplo, a vocação de Maria e a concepção de João Batista, o centro da perícope evangélica de hoje é o conteúdo da mensagem de Gabriel a Maria, isto é, o centro é a opção amorosa de Deus pela humanidade e como Ele faria isto. O projeto amoroso de Deus para salvar a humanidade supõe o Criador se fazendo criatura, pois, aquele que nascerá será chamado santo, Filho de Deus (v. 35b). Assim, o anúncio é que o Divino Deus se fara homem no seio da virgem Maria. Este menino divino que nascerá se chamará Jesus (cf. v. 31), que significa “Deus salva”. Ademais, ele será grande, chamado de Filho do Altíssimo e herdará o trono de seu pai Davi (cf. v. 32), donde reinará para sempre sobre os filhos de Jacó e o seu reino não terá fim (cf. v. 33). Portanto, aquele que nascerá é de natureza divina, ou seja, será Deus feito homem; além disso, nascerá da descendência de Davi, e cumprirá a profecia de 2 Sm 7 da perenidade da dinastia davidida. Assim, aquele que nascerá será o Messias libertador aguardado pelo povo.
Pe. Bruno Alves Coelho, C.Ss.R.