O CREDO: Creio na comunhão dos santos23/11/2020 2z1z4d
A comunhão dos santos
A santidade aparece nas Sagradas Escrituras como atributo essencialmente divino. Quando se refere a Deus, a santidade expressa sua essência pessoal, sua divindade, sua absoluta transcendência, apontando para o mistério mais íntimo de sua pessoa. Significa que Deus é por si mesmo, não recebendo de nenhum outro o seu próprio ser. O termo santidade diz da incomparável dignidade de Deus, razão pela qual deve ser adorado. Quanto às criaturas, sua santidade acontece à medida que Deus lhes faz participar de sua própria santidade. “Agora, pois, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis minha parte pessoal entre todos os povos – pois a terra inteira me pertence – e vós sereis para mim um Reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19, 5-6). Jesus Cristo, por sua vez, é o Santo de Deus por excelência. Deus e homem, Jesus Cristo, o Filho, reflete o Pai em toda a sua existência. Ele é o mediador de santificação através do Espírito Santo. Nele Deus pôs o seu olhar e a sua complacência: é altar da aliança, sacerdote, templo, vítima, culto a Deus, caridade, mediador. Jesus é santo em todos os níveis de sua existência: ontológico, cultual, moral, psicológico (cf. Ef 1, 3-14).
Nós cremos no Espírito Santo, poder santificar de Deus, na Santa Igreja Católica, lugar privilegiado da ação do Espírito. A comunhão dos santos não diz respeito, em primeiro lugar, aos cristãos, mas às “coisas santas”, ou seja, à celebração da eucaristia, na qual Deus oferece ao mundo o Santo, Jesus, o Filho, que se faz presente ressuscitado. A ação do Espírito torna Cristo presente na comunidade celebrante e nas espécies do pão e do vinho. A Igreja se reúne em torno do Ressuscitado, o Santo de Deus, e isso constitui sua existência para além das divisões de cargos e ministérios. A santidade da Igreja vem da presença do Espírito que a configura a Cristo, o Santo por excelência. Muito cedo, porém, essa santidade foi estendida às pessoas que o Espírito Santo santifica ao configurar a Cristo e reunir em torno dele na mesa eucarística. A aliança de Deus vivida com seu povo no AT se mantém e se intensifica na nova aliança. O mesmo texto de Ex 19 reaparece, agora com novo vigor e em contexto mais amplo, no NT: “Vós, pois, sois a raça eleita, a nação santa, o povo que conquistou para si, para que proclameis os altos feitos daquele que das trevas vos chamou para sua maravilhosa luz” (1 Pd 2, 9).
Todas as pessoas são, em certo sentido, santas, porque criadas por Deus. Essa santidade é ontológica, porque o fundamento da existência de cada ser humano é Deus. A criação de Deus participa de sua santidade, sobretudo o ser humano criado à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26). No batismo, os cristãos recebem a graça de pertencer a Cristo e a missão de testemunhá-lo. São chamados por Deus não por causa de suas obras, mas do desígnio de sua graça. Justificados no Senhor Jesus com o batismo, pela presença do Espírito, se tornam verdadeiros filhos de Deus e partícipes da natureza divina e, por isto, são santos (LG 40). Reúnem-se pelo Espírito em torno do Ressuscitado na Eucaristia que os torna o corpo de Cristo, portanto unidos entre si. Aqui se encontra a communio sanctorum, a comunhão dos santos, que a ultraa a existência terrena, estendendo-se à eternidade através da união entre os que vivem em Cristo na história e aqueles que já estão na glória. Segundo a Lumen Gentium, “todos quantos são de Cristo, tendo o seu Espírito, congregam-se numa só Igreja e nele estão unidos entre si (cf. Ef 4,6). Em vista disso, a união dos que estão na terra com os irmãos que descansam na paz de Cristo de maneira nenhuma se interrompe, ao contrário, conforme a fé perene da Igreja, vê-se fortalecida pela comunicação dos bens espirituais” (LG 49).
A comunhão entre os cristãos, os santos, não se dá somente no nível do afeto e do bem querer, mas no nível de uma caridade orgânica, criada pelo Espírito Santo, que torna real a união entre os fiéis e que faz de todo o corpo uma unidade (cf. Ef 4,15-16; 1Cor 12,12-13). O fundamento da comunhão dos santos se encontra na própria caridade. A caridade verdadeira faz que os bens de cada membro do corpo de Cristo pertençam a todos. O Espírito Santo é comunhão, uma pessoa em duas, no Pai e no Filho, cuja união ele realiza. O Espírito Santo une todos os cristãos, seguindo o modelo da comunhão trinitária. A graça se traduz na comunhão de pessoas, porque cria relação amorosa. A graça é o ser humano transformado em Cristo pelo Espírito. Ela nos enriquece de uma riqueza na qual não possuímos nada só para nós mesmos, porque nos tornamos seres abertos, doados.
Assim é o Cristo ressuscitado que se tornou Amor e pura doação de si. Somos como Jesus, que deu a vida por todos. O cristão não vive e morre só para si mesmo (cf. 2 Cor 5,14-15). A graça de cada um é destinada aos outros, porque o Espírito faz de cada um de nós um ser aberto e doado e aqui se encontra a raiz da comunhão dos santos, que ultraa, inclusive, os limites da Igreja, pois ninguém permanece dela excluído, uma vez que todos foram criados em Cristo e para Cristo (cf. Cl 1,16; 1Cor 8,6). O amor desinteressado caracteriza a vida cristã, assim o que pertence a um cristão pertence a todos, numa circulação entre os membros do corpo de Cristo. A comunhão dos santos, mais que teoria, é uma verdade a ser experimentada no compromisso com a construção do Reino da fraternidade universal. Eis a utopia cristã da qual a Igreja é sacramento (LG 1): comunhão entre todos os seres humanos no amor, na paz, na liberdade, na solidariedade.

Intercessão dos santos
A beatificação e a canonização não fazem os santos, são apenas o reconhecimento oficial da Igreja e significa que o santo ou beato está na glória e se pode recorrer à sua intercessão num culto de devoção. Há critérios para a beatificação e canonização, o mais importante se encontra na vivência das virtudes cristãs. Isto significa que o cristão beatificado ou canonizado foi fiel à sua vocação cristã, ao seu batismo e fiel aos apelos pessoais da graça de Deus. A caridade se revela a virtude por excelência e a santidade se encontra no amor aos irmãos, mormente ao mais abandonado (cf. Mt 25,31-46). A Igreja, ao beatificar e canonizar, confessa as maravilhas que Deus realizou naqueles homens e mulheres. “A santidade é protesto contra as massificações, os totalitarismos, as seduções da força, em nome da liberdade e da riqueza do coração do ser humano e de suas possibilidades” (Bruno Forte). A vida de cada santo se torna mensagem atual que ilumina nossa caminhada e nosso agir. Sua trajetória foi hermenêutica viva da Palavra de Deus e desperta em nosso coração o desejo da fidelidade a essa mesma Palavra que Cristo continua a nos dirigir. Por isso o Papa escolheu o nome de São Francisco, porque seu exemplo ainda ilumina a vida da Igreja mais de 800 anos depois de sua morte. São Francisco mostra que o caminho do cristão e da Igreja a pela humildade, simplicidade, desapego das grandezas e vaidades do mundo e serviço solidário aos mais pobres e necessitados.
Os santos estão em Cristo, portanto envolvidos na sua comunicação de amor ao mundo através da Igreja. A intercessão dos santos invoca simplesmente a salvação única que Deus quer nos dar. Eles intercedem para que o plano de salvação se realize no mundo, para que a vontade de Deus se faça. A invocação dos santos supõe uma regra básica para que não se torne magia ou superstição: que se faça a vontade de Deus e não a do devoto. O que o santo ou beato quer para quem o invoca é que a vontade de Deus se torne realidade naquela existência. Se entendido assim, o culto aos santos será mais uma forma de culto cristão prestado a Deus, tornado possível pelo Espírito Santo, autor da Igreja. “Recebidos na pátria e presentes diante do Senhor (cf. 2Cor 5,80), por ele, com ele e nele não deixam de interceder por nós junto ao Pai, apresentando os méritos que alcançaram na terra pelo único Mediador de Deus e dos homens, Cristo Jesus (cf. 1Tm 2,5) (LG 49)”. E assim, “quem se dirige à Virgem Mãe e aos santos, quem faz apelo à caridade da oração dos outros, e reza com humildade e perseverança pelos outros, o faz em Deus e é levado a oferecer-se ao Pai e receber seu dom, na generosidade e na receptividade do sim de seu amor” (Bruno Forte).
Pe. Paulo Sérgio Carrara, C.Ss.R.