2º DOMINGO DA PÁSCOA17/04/2020 4v2c57

Autor: Pe. Bruno Alves Coelho, C.Ss.R. 302b14
Missionário Redentorista da Província do Rio.
2º Domingo da Páscoa
“Dai graças ao Senhor porque ele é bom; eterna é a sua misericórdia!” (Sl 117, 1)
Tema central da Liturgia
O Segundo Domingo da Páscoa continua a nos iluminar com a alegria da certeza da fé na ressurreição de Jesus Cristo e que, por bondade de Deus, esta dádiva é oferecida a cada um de nós hoje. Entretanto, os textos bíblicos nos ensinam que o projeto do Reino de Deus não é algo fechado e à individualidade, mas, ao contrário, é um chamado à vivência comum desta fé. Por isso, se quisermos manter nossos os firmes rumo ao projeto de Jesus, devemos perseverar unidos em comunidade: a comunidade reunida na fé e praticando o que crê é o lugar onde Jesus ressuscitado se faz presente e nos envia em missão!
1ª Leitura: At 2, 42-47
A fim de melhor nos situarmos neste texto bíblico, tomemos a introdução aos Atos dos Apóstolos da Bíblia da CNBB:
Os Atos dos Apóstolos (At) são a continuação do evangelho de Lucas, constituindo a segunda parte de sua obra. Narram a fase da História da Salvação que se seguiu à ressurreição e elevação de Jesus. Como o evangelho de Lucas, também este escrito não é historiografia no sentido científico moderno; não tem a pretensão de fazer uma reconstituição científica dos fatos, mas, baseando-se em fontes fidedignas, procura evocar o significado daquilo que aconteceu e, também, prestar homenagem aos primeiros evangelizadores e fundadores das Igrejas cristãs – especialmente Pedro, primeiro porta-voz da Igreja-mãe de Jerusalém, e Paulo, evangelizador dos gentios. Na parte que narra as viagens marítimas de Paulo, o autor se apresenta como companheiro de viagem, falando na forma “nós”.
O livro possui vinte e oito (28) capítulos e, do ponto de vista do conteúdo, pode ser dividido em três partes: I) Atos de Pedro: 1 – 15; II) Elo entre a primeira e a terceira parte: 13 – 15; III) Atos de Paulo: 13 – 28.
Nossa perícope encontra-se na primeira parte do livro e apresenta a vivência da primeira comunidade cristã sediada em Jerusalém. É preciso ter presente que esta formação comunitária é decorrente dos eventos de Pentecostes (At 2, 1-13) que motivou o inflamado discurso missionário de Pedro (At 2, 14-36), fatos que nos colocam, na narração lucana, com o episódio das primeiras conversões (At 2, 37-41).
A fim de termos um retrato mais concreto da vivência da primeira comunidade cristã, fica uma tarefa para você, devoto leitor, de comparar esta perícope de hoje com outras duas: At 4, 32-35 e At 5, 12-16. De qualquer forma, neste primeiro relato podemos nos aproximar com segurança da vivência comunitária dos primeiros cristãos de Jerusalém, pois, o relato a descreve de forma clara e analítica.
Este relato bíblico da primeira comunidade cristã demonstra a força da fé que aquelas pessoas tinham: após forte e concreta experiência com Jesus vivo e ressuscitado, elas mudam sua forma comum de vida e adotam a radicalidade da vida evangélica. Os novos convertidos são assíduos aos ensinamentos dos apóstolos (v. 42), mas, não mais como a proclamação da Boa Notícia a não cristãos, são já cristãos recém-convertidos que recebem a instrução de toda a Palavra à luz dos eventos cristãos como chave de interpretação da vida e da história. Contudo, o que completa a manutenção da coesão do corpo comunitário é a comunhão fraterna – entendida como comunhão de vida e de bens (cf. v. 44-45), ou seja, corações compartilhados unanimemente – e a frequência à eucaristia e às orações comuns presididas pelos apóstolos (cf. v. 42).
Chama-nos a atenção a leveza de vida que esta comunidade experimentou: temente a Deus, percebia na ação de seus líderes, os apóstolos, os prodígios que Deus realizava (v. 43), daí seu desapego aos bens materiais, pois tinha consciência de seu pertencimento a Deus, consciência que lhe garantiu experimentar a beleza da vida comum tanto na oração quanto nas visitas domésticas e consumo do pão de cada dia (cf. v. 44-46). Por sua forma de vida, a comunidade era estimada por todos (v. 47a) e pela fé que experimentava atraía sempre mais novos membros para o Evangelho e sabia da salvação que a aguardava (v. 47b).
Salmo 117 (118), 2-4.13-15.22-24 (R/. 1)
O salmo de hoje é uma Ação de Graças, mas, também é um Salmo Litúrgico. Segundo Gunkel: “Já que a palavra geralmente traduzida “ações de graça” é a mesma palavra para “agradecimento”, fica claro que estes salmos tinham a intenção de serem usados num contexto cúltico. Pensa-se que o indivíduo, na presença da congregação em adoração testemunharia pessoalmente dos atos salvadores de Deus, acompanhados de um ritual e uma refeição. Eventualmente, estes salmos foram liberados do contexto de sacrifício”. Justamente por seu contexto cúltico, este salmo era utilizado para a liturgia para a festa das Tendas. Este salmo encerra o Hallel. Um invitatório (v. 1-4) precede o hino de ação de graças posto nos lábios da comunidade personificada, completado pelo livrinho de respostas v. 19s.25s, recitadas por diversos grupos quando a procissão entrava no Templo.
O v. 24 é muito importante para a tradição cristã, pois, é aplicado ao dia da ressurreição de Cristo e utilizado na liturgia pascal.
2ª Leitura: 1Pd 1, 3-9
Hoje iniciamos a leitura litúrgica da Primeira Carta de Pedro. Este livro bíblico nos acompanhará como segunda leitura dominical até o 6º Domingo da Páscoa. Aprofundemo-nos um pouco mais neste importante texto neo-testamentário a partir da introdução da Bíblia de Jerusalém.
Duas epístolas católicas se apresentam como escritas por são Pedro. A primeira, que traz no endereço o nome do príncipe dos apóstolos (1, 1), foi recebida sem contestação desde os primórdios da Igreja; citada provavelmente por Clemente de Roma e certamente por Policarpo, é atribuída explicitamente a são Pedro a partir de Irineu. O apóstolo escreve de Roma (Babilônia 5, 13), onde se encontra em companhia de Marcos, que chama de “seu filho”. Embora sejam muito poucas as informações que temos a respeito do fim de sua vida, uma tradição muito segura afirma, com efeito, que se transferiu para a capital do império, onde morreu mártir no tempo de Nero (em 64 ou 67?). Escreve aos cristãos da “Diáspora”, especificando os nomes de cinco províncias (1, 1), que representam praticamente o conjunto da Ásia Menor. O que diz do ado deles (1, 14.18; 2, 9s; 4,3) sugere que são convertidos do paganismo, embora não se exclua a presença de judeu-cristãos entre eles. É por isso que lhes escreve em grego; e, se este grego, simples, mas correto e harmonioso, parece de qualidade boa demais para o pescador galileu, conhecemos o nome do discípulo secretário que pode tê-lo assistido na redação: Silvano (5, 12), comumente identificado com o antigo companheiro de são Paulo (At 15, 22+).
A finalidade desta epístola é sustentar a fé dos seus destinatários em meio às provações que os assolam. Houve quem procurasse identificá-las com perseguições oficiais, tais como as de Domiciano ou mesmo de Trajano, o que suporia época bem posterior a são Pedro. Mas as alusões da epístola não exigem nada disso. Trata-se, antes, de prepotências, injúrias e calúnias que os convertidos sofrem, por causa de sua pureza de vida, da parte daqueles cujos desregramentos eles abandonaram (2, 12; 3, 16; 4, 4.12-16).
A perícope de hoje é um louvor à salvação divina. O texto começa com a fórmula vetero-testamentária de bênção (cf. Gn 14, 20) e que foi apropriada pelos cristãos (cf. Lc 1, 68; Rm 1, 25; 2Cor 11, 31): “Bendito seja” aplicado a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo (v. 3a), quer dizer da consciência cristã dos benefícios recebidos de Deus e que estão ligados à pessoa de Cristo, por isso, a louvação. Este louvor é por causa da herança legada à Igreja pela ressurreição de Cristo: pela fé somos novas criaturas, chamados à vida plena na esperança, e vivendo a fé tomarmos posse da herança a incorruptível a nós destinada, isto é, a salvação (cf. v. 3b-5).
Reconhecer as benesses divinas e o chamado à salvação final deve ser motivo para os cristãos que am por imensas dificuldades no presente se fortaleçam na fé do ressuscitado, encarando o sofrimento não como vitória do inimigo, mas, como provação a fim de estarem mais aptos ao Reino dos Céus; por isso, aquele que guarda a fé é sim capaz de vencer os sofrimentos sem afastar-se de Deus, pois, a paga da perseverança é a salvação no tempo de Deus (cf. v. 6-9).
Evangelho: Jo 20, 19-31
A moldura dos relatos do Evangelho de hoje é a aparição de Jesus aos discípulos, mas, a insistência do dia, Domingo – o primeiro da semana (v. 19a.26a), indica que a comunidade cristã, pela fé na ressurreição de Jesus Cristo, é o lugar teológico por excelência de acolher e viver o dom da nova criação! Tomemos emprestada a exegese dos Dehonianos para nos guiar nesta profunda reflexão (FONTE: https://www.dehonianos.org/portal/liturgia/?mc_id=2851):
Aparição à comunidade, sem Tomé (Jo 20, 19-23):
Na primeira parte (vers. 19-23), descreve-se uma "aparição" de Jesus aos discípulos. Depois de sugerir a situação de insegurança e de fragilidade em que a comunidade estava (o "anoitecer", as "portas fechadas", o "medo"), o autor deste texto apresenta Jesus "no centro" da comunidade (vers. 19b). Ao aparecer "no meio deles", Jesus assume-se como ponto de referência, factor de unidade, videira à volta da qual se enxertam os ramos. A comunidade está reunida à volta d'Ele, pois Ele é o centro onde todos vão beber essa vida que lhes permite vencer o "medo" e a hostilidade do mundo.
A esta comunidade fechada, com medo, mergulhada nas trevas de um mundo hostil, Jesus transmite duplamente a paz (vers. 19 e 21: é o "shalom" hebraico, no sentido de harmonia, serenidade, tranquilidade, confiança, vida plena). Assegura-se, assim, aos discípulos que Jesus venceu aquilo que os assustava (a morte, a opressão, a hostilidade do mundo); e que, doravante, os discípulos não têm qualquer razão para ter medo.
Depois (vers. 20a), Jesus revela a sua "identidade": nas mãos e no lado tresado, estão os sinais do seu amor e da sua entrega. É nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses "sinais" indica a permanência do amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama e do qual brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.
Em seguida (vers. 22), Jesus "soprou" sobre os discípulos reunidos à sua volta. O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto grego de Gn 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida de Deus). Com o "sopro" de Gn 2,7, o homem tornou-se um ser vivente; com este "sopro", Jesus transmite aos discípulos a vida nova que fará deles homens novos. Agora, os discípulos possuem o Espírito, a vida de Deus, para poderem - como Jesus - dar-se generosamente aos outros. É este Espírito que constitui e anima a comunidade de Jesus.
Aparição à comunidade, com Tomé (Jo 20, 24-31):
Na segunda parte (vers. 24-29), apresenta-se uma catequese sobre a fé. Como é que se chega à fé em Cristo ressuscitado?
João responde: podemos fazer a experiência da fé em Cristo vivo e ressuscitado na comunidade dos crentes, que é o lugar natural onde se manifesta e irradia o amor de Jesus. Tomé representa aqueles que vivem fechados em si próprios (está fora) e que não faz caso do testemunho da comunidade, nem percebe os sinais de vida nova que nela se manifestam. Em lugar de se integrar e participar da mesma experiência, pretende obter (apenas para si próprio) uma demonstração particular de Deus.
Tomé acaba, no entanto, por fazer a experiência de Cristo vivo no interior da comunidade. Porquê? Porque no "dia do Senhor" volta a estar com a sua comunidade. É uma alusão clara ao Domingo, ao dia em que a comunidade é convocada para celebrar a Eucaristia: é no encontro com o amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada, com o pão de Jesus partilhado, que se descobre Jesus ressuscitado.
A experiência de Tomé não é exclusiva das primeiras testemunhas; todos os cristãos de todos os tempos podem fazer esta mesma experiência.